quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Festival de monólogos II


Por Paulo Spurgeon DePaula

Bem voltemos ao beco, o que dá nome ao Teatro do Beco. Na conhecida artéria jucutuquarense, na Avenida Paulino Müller, 222, há um bequinho – e o chamo assim, não por sua extensão, mas por ser bastante estreito. No percurso à semiluz e, no meio do caminho, eis um mendigo. Ou será um demente fugindo de si mesmo?

A magistral interpretação do ator Theo Simon fez-nos vivenciar o que nossos "hermanos" argentinos denominam “Negros de Mierda” – como o título da peça de Luciano Garbuio – e esse Negro, não representa a cor da pele, mas se refere apenas a um “morador de rua”.

Passado esse encontro segue-se o beco até uma escada que conduz o espectador à sala de visitas de A Casa Amarela, título dado por Di Renzo à sua adaptação de Mulher Sozinha, de Dario Fo. Valkíria, proprietária da Casa Amarela, sofre de vários devaneios, mas, essencialmente respira sua opressão. Incrível, mas absolutamente crível, foi a transformação da atriz Verônica Gomes, num piscar de olhos, de uma típica “dona de casa”, para uma “danseuse” do Moulin Rouge, com suas meias negras, trajes e trejeitos insinuantes. Vimos então Valquíria, a multifacetada e falsamente subserviente esposa, que dos risos às gargalhadas, passava por expressões odiosas, ameaçadoras. Uma mulher capaz de destruir relações à bala.

Esta função foi a única das apresentações que não aconteceu no Sesc Gloria. Todas as outras foram apresentadas lá, na Sala Virginia Tamanini exceto uma, Ah Vitória, que Saudades!... de Milson Henriques, que, não sendo um monólogo, foi entretanto, em boa hora acrescentada à programação, trazendo ao público capixaba e apresentando aos visitantes, inúmeras personagens do cotidiano capixaba de outrora como o poeta Othinho, a catadora de papéis, Dona Domingas, que hoje tem uma estátua na escadaria que leva ao Palácio do Governo, e vários outros que fazem parte da memória do coletivo capixaba. A peça foi apresentada com muito sucesso e ótimas, e múltiplas interpretações de Suely Bispo e Thelma Lopes, por exemplo, com apresentação de Verônica Gomes, como a pintora Nice, e um afiado elenco do Teatro Du Beco com acertada coreografia de Guerrera.

CRASH, palavra inglesa que tem um duplo sentido – um acidente ou uma falência – foi o título escolhido por Marcelo Ferreira, autor e intérprete do monólogo, que contou com excelente apoio audiovisual, obra que apresentou grande crítica às crises globais e ao descaso do governo brasileiro às necessidades da população. Marcelo usou até mesmo do humor para acentuar certas situações tendo, por exemplo, um leitão (de barro, como os porquinhos que vemos, para se guardar moedas) em cena, enquanto comentava sobre a “ausência de Miriam Leitão na programação do dia”, devido a “uma labirintite, causada pela oscilação da moeda”. Já, em momento contundente, sua homenagem ao seu genial parceiro/colaborador e criador de grandes espetáculos, o sempre lembrado do público capixaba – o artista completo que foi Magno Godoy – e que veio a falecer em uma maca em corredor de hospital, enquanto aguardava vaga para uma cirurgia.

Muito comentada e aplaudida foi a presença da Espanha, no Festival, com La Despedida de Gardel, com texto e apresentação do veterano ator Jorge Bosso interpretando uma fantasia de ter o celebrado cantor Carlos Gardel escapado do acidente aéreo que o vitimou há 35 anos, e surgir, desfigurado, se apresentando a um público que o julgava morto. Jorge Bosso foi uma presença marcante e inspiração para validade do se exercitar a arte do monólogo.

Do Peru o Festival contou com a excelente interpretação de Martin Abrisqueta na peça Desaparecido, de autoria de Michel Algarh. A comovente história é a de um homem que está preso, porém não se lembra quem é, o que fez, ou por que está ali. Uma crítica também aos desaparecimentos e sequestros praticados pelos militares da ditadura militar.

Com um leque tão grande de opções e uma apurada seleção para tão importante mostra, o II FLAM merece o nosso aplauso pela oportunidade de celebrar com nossos “hermanos” os solilóquios que muitas vezes fazemos em silêncio sobre o mundo atual, a globalização e “crash” de nossa sociedade, e a situação que as mulheres e os homens de hoje enfrentam ao encarar os processos a que são submetidos pelo “outro” que, em geral, é “o poder”. 


Elenco de Ah, Vitória, que saudades!..., de Milson Henriques, aplaude a plateia pela grande receptividade no II FLAM, no Teatro do Sesc Glória, em 19 de novembro
 
Marcelo Ferreira, de óculos escuros, autor e ator de CRASH, rodeado por colegas e admiradores, no Sesc Gloria

Congraçamento com atores de Ah, Vitória, que saudades!... Verônica Gomes e Suely Bisto, entre outros, o ator Roberto Claudino e os diretores Walter Filho e Paulo DePaula


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